sábado, 27 de dezembro de 2014

Alguns comentários sobre o exame de desenho ( parte 2 )

" Enquanto as Artes Visuais não tiverem o seu currículo revisto, restituindo horas fundamentais de História de Arte, repondo disciplinas como Teoria do Design, reintroduzindo o estudo da perspectiva cónica em DGD e a recuperação de tempos perdidos nas disciplinas práticas, como as Oficinas...e Desenho, o resultado será, como tem sido hábito, frágil. Não que isso incomode os nossos governantes e a sua visão restrita e serôdia.

Noutros anos e exames aludimos o formato erróneo desta prova, sublinhando o carácter mais justo e preciso dos dossiês individuais. O exame não avalia as reais capacidades dos alunos, é uma opção política e não pedagógica e espelha o gosto nacional pelas opções demagógicas.

O tema dos exames de Desenho daria uma tese. Neles se espelham alguns dos vícios atávicos nacionais – desorganização, ausência de objectivos – e estatais: dirigismo e desconfiança (ou paternalismo de conveniência). Esta última sobre os professores…

A informação transmitida merece, para já, o seguinte reparo: no que respeita aos materiais a apresentar pelos alunos a exame (ponto 5, da informação do GAVE), dos meios destinados a colorir, suscita estranheza a insistência nos pastéis de óleo. Entre outras razões, pela dificuldade que apresenta o seu manuseamento em dimensões relativamente reduzidas.

Não parece ser pedagogicamente correcto – como tem sido tónica – a obrigatoriedade na utilização de um meio específico, em particular nas questões de desenvolvimento, onde a técnica deve servir o sentido da resposta do aluno, devendo este escolher o meio de coloração que considere mais apropriado: lápis de cor, ceras, guache, aguarelas, etc.


Prosseguindo a leitura, chegamos às “Propostas de intervenção didáctica” ou, num português mais simples, o que deverá ser feito na sala de aula: “Como medidas de superação destas dificuldades, propomos uma prática lectiva mais atenta ao desenvolvimento da criatividade e da imaginação”, e a coisa prossegue nesta toada. O que não é incluido neste relatório paupérrimo é a  reflexão (auto)crítica incidindo nas finalidades e estrutura do exame.

Para os senhores relatores, estaremos perante a fórmula ideal, a pedra filosofal da avaliação. Não questionam a xaropada reiterada dos referentes artísticos contemporâneos nas questões que propõem o “desenvolvimento da criatividade e da imaginação”. Não questionam a imposição patética de meios atuantes – como o pastel de óleo – que quase ninguém utiliza - e, mais grave ainda, que não permitem (considerando as limitações do exame: tempo de execução, dimensão do suporte, tensão,...) o almejado esparramar da “criatividade e da imaginação”. Este relatório anorético não questiona o papel do Ministério da Educação na demolição do currículo das Artes Visuais, retirando aos alunos o conhecimento de matérias essenciais, quer por via da amputação, seguida de prótese disfuncional, do programa de História das Artes (que deveria acompanhar todo o ciclo do secundário) quer pela eliminação (em 2005 se a memória não falha) da disciplina de Teoria do Design (que permitia a compreensão e consolidação de saberes, para além da definição de opções no prosseguimento de estudos numa área que está na base de muita da riqueza das nações).

Chegamos a 2011 e aos resultados alcançados: uma lástima previsível. As razões deduzem-se, parcialmente, do anteriormente exposto, acrescidas do facto do universo de alunos de artes visuais conter uma mole imensa de estudantes "inertes", com pouca curiosidade artística, (impera o universo gráfico repetitivo dos jogos de vídeo, de mangas de  qualidade inferior e dos concursos patéticos de "estrelas" disto e daquilo), com espírito crítico inexistente no capítulo dos deveres e, principalmente, sem a paixão necessária para prosseguir numa área que exige uma prática intensa e regular.

Repete-se a questão: por que razão se brindam os alunos com um "estímulo visual"? Será que a formação de Artes Visuais é assim tão anoréctica? Infelizmente sim, espoliada que tem sido de horas e de disciplinas essenciais...
Retoma-se o que todos os anos tem sido referido: o princípio da avaliação não deveria sacrificar a especificidade da disciplina. Esta disciplina tem, a todos os níveis, práticos e teóricos, particularidades que a distinguem das demais (quem desenha sabe-o bem). Sujeitar os alunos a um exame não permite aferir com justiça níveis de desempenho e as competências adquiridas com a mesma precisão que um portefólio permite. "

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