terça-feira, 31 de março de 2015

O eterno presente

É da essência do capitalismo transformar o valor de uso das coisas em valor de troca . A própria sabedoria , enquanto conhecimento que transforma a existência ( não estou aqui a falar dos truques e condicionamento mental , visando a riqueza e o sucesso ) sofreu esse toque de Midas repulsivo , tornando-se objeto de uma intensa atividade mercantil . 

Nas livrarias e supermercados abundam os livros de autorealização , mapas para descobrir a felicidade . Os seus autores e editoras exploram a impotência ética e política do homem contemporâneo , o desespero muitas vezes inconsciente ( mas ativo ! ... ) que acompanha o envelhecimento . Exploram , ainda , a ânsia humana de absoluto ( que se traduz assim : se fizermos bem as coisas , num momento exato das nossas vidas ocorrerá uma transformação alquímica , um estado de ser radicalmente novo , em que nos uniríamos à substância divina ! Se esse momento mágico existirá ou não , é o assunto do intrigante livro A Fera na Selva , de Henry Jmes ) . 

Do cume da sua clarividência , esses sábios escritores tratam de evidenciar as causas do mal estar de cada um de nós ( e que se resumem , na raiz , ao egoísmo e à ignorância ) e oferecem soluções libertadoras do tremendo potencial humano . O negócio por eles edificado ( venda de livros , fundações , retiros espirituais , conferências , etc. ) resume-se , no essencial , a variações sobre a mesma mensagem - mergulhar o foco mental no presente , afastando a sombra do passado culpabilizante e do futuro incerto , estar atento aos processos que decorrem interiormente e em nosso redor . A esse propósito , e porque respirar conscientemente é um dos segredos da libertação , uma vez escrevi : 

Estou ansioso e não me tranquilizo , 
Medito e não enxergo , 
Desejo e não me realizo ; 
Lembro-me agora de um velho sábio que dizia : 
" o segredo da felicidade é respirar como uma criança ." 
E eu , caminhante desiludido , 
inspiro e expiro solenemente , 
E , para meu espanto , 
encontro o ponto fixo . 

( texto de José Fernando Carvalho - professor de Filosofia da Escola Secundária de Albufeira ) 

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